sexta-feira, 30 de abril de 2010

Criação in Verbos

(Tela de Carlos Dugos)


Vejo-te em todos os rostos
Em todos os momentos
Em todos os poemas que escrevo
Em todos os centros que se movimentam
À roda do meu próprio centro

(Será que os outros vêm assim como eu
E duplicar
A triplicar
A multiplicar?
Ou serei eu uma fonte ejaculativa
De tantas rimas terminadas em ar
Que nem consigo perceber que não dá para respirar)

Este ar poluído que me entra pelas narinas
Que me entala
E m’ estala
Despertando o olfacto
Encarcerando o gosto
Amolecendo a dor deste sentir
Que se confunde com o absorver
no
Imediato
Este suor morno
Que se espalha pelos corpos todos
Que eu conheço

Que confusão
Que baralhação
Este poema não servir para criar
Nada
Mesmo nada
A não ser uma dor aguda
Num qualquer poema do género - fêmea
Por não saber rimar
Quanto mais poetar

Não quero deixar de sentir este ar
Próximo do verbo ir
Para que se vá
Mas rindo
E escrevendo sem nada pedir
Há tantos tempos vendidos ao meu próprio sentir
Que há sentires que valem zero
Na medida exacta de verbo

Há na verdade um único Verbo que eu conheço
Que me fará ir...

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Primavera dos tempos

Michelangelo Caravaggio 1571 – 1610

Fui cacto em deserto estéril
Enquanto jovem
Vivia em contra ciclo com a natureza
Também eu
Deixei crescer espinhos no corpo
A seiva
Dava-a apenas aos que se abrigavam
Nas minhas ideias.

E se cacto fui
Hoje cacto sou
Dos espinhos
Nascem agora papoilas
E dentro destas
Nascem primaveras de esperança
Para cada palavra que escrevo

domingo, 11 de abril de 2010

Lar


Aqui, onde mora a atemporalidade,
Nesse espaço de isenta ignomínia,
Minha porção de firmamento,
Meu quinhão da ancestralidade.
Aqui, onde me aflora a criança
E me dispo da sociabilidade,
Há essa calma no final do dia,
Esse afresco de luminosidade...
Meu lar, meu lar querido,
Onde repousa o meu corpo,
Onde aporta o meu espírito.
Bendito seja meu lar...
Esse protótipo do infinito.


Frederico Salvo

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A Cantar, Ai Que Alegria


Seria assim
Que desceria
A Cantar
Ai que alegria
A gigante escadaria
E sonharia à noite
Em doce calmaria
*
A compasso
Num só dia
A cantar
Ai que alegria
Tracejando a vida
Que em sonhos
Te embalaria
*
Seria assim
A cantar
Ai que alegria
Que é esta cantoria
Em tom breve
Mas tão leve
Sem ti não cantaria
*
O grande músico português Fausto, é um dos maiores em musica de intervenção
baseando o seu trabalho na musica tradicional portuguesa.
Quem não lembra da Célebre "Rosalinda" e "Namoro" ?
*
Este poema resultou assim, pensando nele e na nossa musica tradicional

terça-feira, 6 de abril de 2010

Duelo

Há duelos de Homens
Há duelos de palavras
Há duelos de sonhos
Há duelos de sabedoria
Há duelos de invejas
Há duelos de nada
Há um milhar de maneiras de dizer
Há um milhar de maneiras de enganar
Há um milhar de maneiras de escrever
Há um milhar de maneiras de ler
Há um milhar de nada
Mas há apenas um par de olhos
E uma única maneira de comunicar
Sem mentira
Sem dor
Sem embargos
Sem truques
Sem metáforas
E de dentro do HÁ sai apenas um sinónimo
De algo que existe dentro de mim
A linhagem de quem me ensinou a ouvir
SEM reclamar*.

*O tempo (linhagem) disse-me para fazer duelos só com quem merece.
Este meu tempo é sábio, muito sábio.

domingo, 4 de abril de 2010

Não te creio Senhor!?

Dei o meu corpo
ás tuas raízes…
Senhor
e também dei a alma
que te entrego fiel!
…doei-te o meu existir
nu a teu olhos
abro os braços febris,
abro o peito ao fogo que me habita,
e o sentir dilata-se
cresce, nos fios do teu lar
ou nas contracções dum sol
escorrendo sem rumo,
na vertente da face
onde separo a vida
…onde a fé é um eco
deste mundo em sangue…
Não te creio, Senhor!
…e sei que morro!
sabem as veias,
o acordar diurno das fogueira
…e sobe a solidão
na penumbra nocturna
cavada em restos de luar…
Não me sinto profeta!
Não o sou, sei-o!
não possuo no ventre
o ritual dos sábios
ou as encéfalos sem pele
dos mensageiros do céu!
…mas não te creio, não!
Senhor
agora os homens cantam,
e canto com eles
entoações cinzentas duma espera inútil
ao câmbio do tempo!
…Não! Não te creio!
suprimo à mente
a imagem do teu templo
recolho da razão íntima
todo o cepticismo,
que a certeza decifra
na própria incerteza!
Creio no irreal
no vazio indefinido do absurdo…
Na paz!
Busco-a no meu espaço,
mas não a tua paz
onde os deuses se enlaçam
e se abandona o real!
Senhor!
sim creio na paz
na que oculto no útero
com o fulgor bravio
do silêncio que invento,
lanço à tua silhueta
o meu discreto desafio!
Não, Senhor Deus
não te creio…
Contudo
invoco-te confuso
da certeza do teu existir!
desconheço-te!
…sabes o meu nome
…eu sei a distância
pelo tempo fora…