segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Deixo-te um beijo

 Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938) - Grandes Amantes

Olho para ti amor
E sinto o nunca:
Nunca poderia viver sem ti

Talvez o era uma vez:
Era uma vez uma princesa
Com uns cabelos dourados

E na menina dos teus olhos
Leio um desejo:
A loucura de me amar

Se fosse poeta
Talvez te escrevesse:
Uma canção
Mas não sou
Sou apenas o teu amor:
Louco ainda por te tocar

Crescemos tanto os dois
Eu envelheci
Mas tu…
Tu… ficaste mais bonita
Eu talvez mais homem
Tu… mais brilhante
Eu mais cego com o teu brilho
Crescemos tanto amor
E tu continuas tão bonita
Sobravas-me sempre nos abraços
Um dia vou conseguir
Trazer-te toda para dentro de mim
E dizer-te baixinho
Que te amo mais hoje do que ontem

Deixo-te um beijo

estampa

o ligeiro ondular da flor vermelha


era um canto insistente

na coluna do vestido



como uma chama no fio da seda

brincando de ser vento na pele

queimando, balbuciando

talvez mudança de inverno para verão



estampa no espelho

o sussurro do babado

admirava o vestido

e conseguia lembrar do corpo nele



(um corpo direto na boca do vestido vazio)



o cheiro sempre presente do tecido

fazia ficar assim por dentro

como flor vermelha...



Vania Lopez

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

TEU CORPO AVE CINZENTA



teu corpo ave cinzenta simulou um voo

ao encontro dos deuses, mundo dos ses,

em movimento pendular: ser e não ser,

cintilando ao retornar pela última vez


o corpo brotou manancial de água fresca

sobre suave tapete de plátanos em flor

sem cuidar de saber se ao partir voltaria:

eclipse ou expressão circular da geometria


o corpo ave cinzenta aninhou uma última vez

no meu colo,e ali ficou, delicada,serena forma,


depois despertou tão naturalmente naquele dia,

que deixou a ilusão de ser eterno – e não seria?


arfemoarlindo mota

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Diz que vai ter amanhã um filho morto

Edvard Munch pintor norueguês (1863 -1944)

Hoje falei com uma mãe
Que não é forte
Chorava
Chorava tanto
Afogava-se em tristezas
Jaz morto
O seu filho
Que irá nascer amanhã

Como é possível
Parteiros letrados
Explorarem a bondade alheia?

Arrogantes e ditadores
Resquícios estalinistas
Comem com as mãos sujas
E no meio das letras
Tragam azedumes
Da vil exploração

São as novas quadrilhas
Que depois das promessas ameaçam

São eles:
Invejosos
Vampiros
Que sugam as almas puras
E trajados do seu hipotético saber
Roubam os passaportes
A quem programou a viagem
Escrita em sonhos

Com ar de pensadores
Vestem-se de negro
Velhacos
Arrogantes
Vendem o que não são
Cheiram o “el doirado”
Dinheiro fácil
Doença dos tempos difíceis
Em que ganhar
É saquear quem lhe cai nas garras

“Eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada”

Mas a Grândola vila morena vai tocar

Até amanhã camaradas

José Luis Lopes

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

o primeiro dia um

de manhã olha o espelho
que lhe devolve o olhar

com respiração ofegante

segura o pincel sem mudar um centímetro
controla a chuva
recorda o dia depois de ontem

seus desejos colhidos pela manhã
na mistura inicial do sol
enquanto ouve o vento
põe uma palavra que adoça a boca
e lembra dos quadris de Elvis Presley

no meio de tudo
um amor sem etiqueta
sem sangue, dor ou tremor
continua pela casa
dentro do álbum de família

(um olhar e uma fome)

em algum momento da noite
por algum motivo
como se não combinasse com o lugar
ou fosse caminhar onde havia sol
o amor se levanta e vai embora
inteiramente vestido
de sapato e casaco

ela começa uma conversa por escrito
onde tranquila possa enraivecer
onde possa sonhar errado

a solidão entra sem bater
olha ao redor, suspira
percorre o mesmo caminho até a cama
e se cobre da cabeça aos pés

(sem sequer tocá-la)

no deserto da cama
vendo o fogo gelado arder
ela é a flor


(o medo a mantém viva)


Vania Lopez

domingo, 15 de agosto de 2010

Tormento


Onde estarão as cores do mundo,
Que outrora enfeitaram meus dias
E celebraram comigo a alegria?
Onde estarão as bocas que cantavam libertas
Os cantos de imaturas letras,
Mas de incomparáveis força e sentido?
Meu Deus!
Onde estarão a pureza dos meus gestos
E a receptividade crédula aos gestos alheios?
Onde andará a inocência
Que procurava em tudo o verdadeiro sentido
E que se ressentia por não ser ainda mais cristalina?
Tudo deu lugar a este tormento
Onde cores são cores apenas;
Bocas cantam rotineiramente
Cantos de letras maduras e repetitivas;
Gestos são sempre comedidos, objetivos;
E a inocência vem apenas esporadicamente
Passear, tímida,
Sobre as frases dos meus versos.


Frederico Salvo

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Dois Pontos

(foto D.M. baixas correntes no Rio Paiva)


Quis encontrar-me num ponto
Onde teu corpo descansava
E a tua alma me esperava
Mas sinto que me fui
Enquanto dormias

Foi um momento isolado
Quando as ideias
Te afogavam a mente
E o pensamento
Te domava o espírito

Já não me encontro por aqui
Saí deste ermo em tons de azul
E fui-me ao encontro do brilho
Que reluz no centro da esmeralda
Que me roubou o último suspiro

A alma é o meu ponto selado
No meu olhar obscuro
A vasculhar-me por dentro
E a deformar-me por fora
Enquanto espera

O meu corpo caiu no vazio
O teu inteirou-se do meu
Nesta corrente que me engole
Enquanto o meu rio abarca
A nova união de dois pontos

domingo, 8 de agosto de 2010

Perdido na Noite

Golconda pintura a óleo sobre tela realizada pelo surrealista belga René Magritte,

 
Tenho noites
De loucos ensejos
Procuro o absurdo
Um carinho
Talvez até um poeta

Não quero estar só

Mas sou silêncio
Busco nas palavras
O que sou
O que não sou
Já descobri há muito tempo

Ardo interiormente

Saio de mim
Procuro-me em cada rua
Em cada porta
Na escória das bermas
Entre papéis e escarros

Solto ais na miséria

Por fim
Encontro a alma
Apeada
Desalentada
Chora por um corpo

Quero ainda poder sorrir

O perdão?
Está ao alcance dos dois
Saiba a alma
Criar vida neste corpo
Mesmo depois da MORTE

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Absorto

E que venha a saudade!
Que me arrase de vez!
Enquanto tiver sentido
Enquanto for absorto
De mim esse teu ar solto
Discerne como germe
Que corrói por dentro
A sagacidade da aurora
Calada a cada hora, sonolenta
A noite vai quente, está quente
E tu meu amor, tardio
Não afogueies o persistente
Como quem flama pela gente
Enquanto o repouso surge
Ao som de um lamento

hoje


Nos cabelos
a água salgada da nostalgia
No olhar o horizonte
cor do fogo
Nas mãos
o vento que foge levemente
logrando dedos
No rosto a tranquilidade
serena maresia
Nos pés um imenso
oceano azul suculento
No corpo a leveza flutuante
do ar fresco
No peito
este amor que arde
sem saber onde