domingo, 27 de junho de 2010

Transformações

(foto, DM)
*
Imaginação ou sonho
Ou só libertação da lua
Quando se deita no meu peito
E me diz de um foco
Invertido no meu corpo

É noite
E eu sou dia
É mar
E eu sou rio
É montanha
E eu sou céu
A cobrir-lhe as partes
Mais íntimas
Aquelas que se deitam
Sempre comigo
Quando fecho os olhos
E a sinto
Corpo no meu corpo
Alma na minha alma
Sangue no meu sangue
Vida na minha vida

Imagino-me assim:

E toco-me
E sinto-te
E m’enlaço
E desfaço estes nós
Que se manifestam
Ao acaso
Pelas mãos de um ocaso morto

sábado, 26 de junho de 2010

Esfinge


Tremo...
Diante desse abalo sísmico.
Um lábaro de tecido fino.
Do som, ao ribombar do sino,
A onda em amplitude máxima.

Calo...
Diante desse monte íngreme.
Um obelisco imensurável.
Segredo uno, impenetrável.
Um sentimento quase físico.

Finjo...
Que tudo isso é pouco, é ínfimo.
E vou como se fosse nada.
Da face pétrea, inanimada,
Travada, já não movo um músculo.

Amor...
Matiz que a tela virgem tinge...

Extremo.
Escalo...
Esfinge.


Frederico Salvo

sexta-feira, 25 de junho de 2010

OS LOUCOS DA MINHA RUA

O ar que se respira, carbono negro, denso,

quase impuro, nada tem a ver com a cor,

nem com as guelras (do odor não me lembro)

vem da memória, dizes, talvez do coração,

pois nem o pulmão que o inspira, sente.

Assim se vão passando os dias, indolentes,

aqui no asilo, onde às árvores chamam gente,

e elas murmuram entre dentes, qualquer coisa,

que bem podia tratar-se de sementes.

Mas não, é coisa de doentes…


arlindo mota (arfemo)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sou-te assim


LUCIAN FREUD - "Mulher com um Cão Branco" (1952)

Sou-te assim:
De dia anjo amigo
De noite Casanova
Amor gizado em olhares
E com palavras soletradas de desejo
Salta o malandro
Deito-te em braços que te enrolam
Luxúrias escritas em deleite
Teias tecidas de gemidos
De quem sempre te quis
E da loucura dos carinhos
Nasceram os nossos Pomares,
Que germinam agora vida com brilho,
São aromas de Primavera
Orvalho nos nossos olhos
Já de madrugada
Adormeces em sonhos de princesa
Mulher de volúpia
Ao acordar és sempre mais bela
Vestes-te de Mãe
E entre sorrisos
Dizes-me:
A noite já nos espera


José Luís Lopes

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morrer é ponto certeiro


Terminam os anos das fogueiras acesas
Dos melros a cantar nos telhados

Nos olhos a verdade
Nas mãos a cegueira
Ensaiando a benemérita vontade

A verdade de quem morre
Ao levantar do chão
As memórias de quem sofre

Porque morrer é ponto certeiro
Num ponto
Onde o vento
Levanta o Homem...

É ser livre marinheiro
*
A minha singela homenagem a José Saramago

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Canto negro

a terra enxugava o suor dos pés

ao lado o cafezal
a poeira levantava do chão
era feliz enquanto a dança durava...
o sol escorria no rosto, no corpo
quando o luar batia como noite
na pele negra
botava fogo no coração da gente...

Vania Lopez

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Estirado na panela

era o último cigarro!

retive a fumaça
deixei em fogo brando a panela.
achei sua foto triste
ao lado do vaso sem flor.
quando desliguei o fogo,
o assado estava estirado
no fundo da panela,
seco de tão pouco amor...


Vania Lopez

sábado, 5 de junho de 2010

a parede nunca é certa

diga que está voltando

deixe que seja verdade, só por enquanto
me tire a sensação de não saber o que fazer
me deixe por um minuto quase acreditar
que escrevi antes do papel esquecer
arrume uma desculpa,
pra ajudar nas horas difíceis
faça que isso não baste, não tão perto
deixe que a outra pia
faça com que me sinta mal!
não me deixe dar conta de que não consigo aceitar
deixe só a noite saber, que não preciso
que o sol fique no céu,
nem que a terra pare de rodar
me deixe docemente constrangida
as quatro da manhã,
me dê uma mania nova,
me faça achar graça
num novo descascador de limão
me dê o fascínio de uma agenda nova.
não me deixe notar,
que nada menos será o bastante
me dê estrada,
não me dê fé!
me dê um voo parado no ar
e só voce de testemunha,
não me conte que a diferença de se estar só
é que não há barulho!
ah, me perca de vista antes disso...


Vania Lopez

terça-feira, 1 de junho de 2010

Só pensar ...

Onde andaste,
se nos dedos que sustenho
trouxe os teus jubilosos,
em cores sujas
das cerejas que mordiscavas…
… minhas são as essências de aleluias
e um piano tocado no imaginário
florestas e sabores possantes,
e o resto é mais
que realidade acordada
no solitário pensamento.

Sou poeta livre de asas e vou
no tempero dos sonhos
que me fazem não ser
de ninguém senão do vento
que me leva para longe de mim…
... que no sol me deito severamente,
e no mar me abrigo.


Meu mar,
meu lindo mar
acalmado de azul incandescente
e minha lua parada à espreita
o cantar da noite
o passar da tua sombra…
… meu tormento!
Pensei invadir-me, o pensamento.

Rosa Magalhães

Só pensar...

Ser quimeras à tua porta,
cinzel de artista quebrado,
não me adia a falta!
Nem afadiga meus colossais de água
… a matar-me de sede
… a pintar-te de novo
Bonitas são as tardes do pensamento!
Tardiamente…
… cheguei,
para beber-te num rio manso,
de onde um dia vim
e esbocei-te traço carburado,
… inquietante.

Rosa Magalhães

Só pensar...

Vou apressar uma melodia a seguir-te!
Vou seguir-te noutra dimensão deserta
arrojada, despojada e amar-te…

… um simples botão de rosa em flor
que se abre.


De onde volto
enrolada de amor a desenrolar-te!

Rosa Magalhães

Só pensar...


Teu perfume sonolento é presença encoberta de sorrisos.


O pintor que avisto cair na voz do pensamento.

Estarei à chegada a ver-te partir...

...serei clave de som largada a subir,
o vapor e ave solta, que no peito sem dor pisa a silenciar-te.

Rosa Magalhães

Só pensar...


No dia que os pensamentos conseguirem voar para longe de mim, não te ausentes. Serei asas de vento a divagar pela mente durante o acerbo, no cair de sono…

Rosa Magalhães