segunda-feira, 29 de março de 2010

Deambulações Nocturnas III

Augusto Gomes - Homem Sentado

Frequentemente o pensamento veste-se de mendigo. Arrogante, o ego, só olha para os botões de ouro em camisa de seda. Engano terrível, muitas vezes por baixo dos farrapos, existe a alma de um poeta, despojado de papel para cobrir a sua escrita em noites de aprumo literário.

* * *

Sempre que penso, escravizo-me.
Apesar disso, gosto de o fazer já que deste, tudo retiro para aumentar a líbido das palavras por mim trabalhadas.

* * *

Na procura da felicidade nunca encontro abrigo nos meus pensamentos. Estes, deixam-me sempre angustiado pela quantidade da informação produzida ininteligível. Escarnece sem piedade, como se pensar fosse acto abominável.
Encontro sempre algo para comparar com o que já fiz e emendar o que penso fazer. Nasce então mais uma dúvida.
A felicidade distancia-se, é mais dada às certezas, magnificência que o meu pensamento ainda não adquiriu. Tenho agora a esperança que a morte traga a felicidade eterna, o pensamento será derrotado com o parar das pulsações. E assim alguém dirá por mim – Não pensa, logo não existe.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Troca - Dueto Com Vânia Lopez

João Barcelos - Pão-de-Açucar

Me abraçou forte
bem apertado
suave foi a troca de facadas
tão suave que o amor
demorou a fechar os olhos

Vánia

Caí para lá do futuro
és flor
suave é esta amizade falada
tão suave que os vocábulos
são sol
são pintura surrealista

Na clemência das palavras
fecho os olhos
então, um dia…
mágico
acordo no Pão-de-Açúcar

José Luís Lopes

quinta-feira, 18 de março de 2010

EM CADA OLHAR

...Amigo, cada vez que sinto seu cheiro cria-se um fio de esperança num lugar que os olhos não podem ver, um gemido, um choro vindo lá de dentro, o certo e errado cai por terra cantarolando uma canção a si mesmo. Gosto quando meus pés doem, fazem esquecer meu joelho, de que me sinto velha de tanta coisa, como qualquer menina da minha idade, me incomodava fortemente. A cada olhar sair e mergulhar em seu braço, cada vez que voltava lembrava desse sentimento todo, isso me salvou de mim mesmo. Estava lá, mesmo quando não estava, decifrava seus sons e os pés plantados com firmeza no solo de um jeito que eu nunca tinha sentido antes...Com a vida cheia assim, ouvir sua chegada, num jeito seu, atrapalhava por dentro, voltava no tempo e nas cores pra ver se o tempo passava e o tempo mostrou que podia prosseguir sem sumir do meu mundo, podia ser o que quiser, estava em casa. Quando a chuva cai do céu sem nenhuma razão, a gente não precisa falar muito para se entender, percebo sua voz, queima por dentro e por fora os primeiros sintomas de não ter explicação, mesmo quando tudo está ao contrário, ver a vida falar sem dizer nada, através de seus olhos. Talvez o amor deva ser um braço quente para amortecer a queda de uma angústia forte, de ser o que devo fazer e o que ainda não fiz...


Vania Lopez

Dilema


Porque foste presente e castigo,
Cravados em cruel dicotomia.
Porque foste relento e foste abrigo,
Exata reta em vasta assimetria.
Porque foste o antídoto e o veneno
Servidos nessa taça; homogêneos.
Porque foste o pudico e o obsceno
No oco desse peito; heterogêneos.
Foi que perdi o rumo, o caminho,
E trouxe a razão em desalinho,
Valsando entre a euforia e o tédio.
Ergui um patamar, desfiz os planos,
Plantei certezas e colhi enganos,
Porque foste a doença e o remédio.


Frederico Salvo

quarta-feira, 17 de março de 2010

A Semente-Inspirado num poema de Jll




O tempo prolonga-se
entre o sim e o não.


Na terra os sonhos
hibernam silenciosos
palavras a ser colhidas
numa próxima monção.

E na próxima primavera
a pequena semente
adormecida
brotara na terra
lavrada, revolvida.
e ai a semente
germinarà em flores de paz
e harmonia
frutos feitos vida
amadurecidos
nas madrugadas
de cada dia.


E serão então num tempo
palavras feitas emoção.
Pão da alma, alimento
paras as gerações
que noutro espaço
gente serão.

ACORDO FLOR

Hoje me compreendo mais,

A cada momento me sinto.
E como uma prece de amor,
Não peço,não agradeço,
Vivo.
Embora ainda procure
As palavras certas,
Não me sinto mais
Escrevendo em água corrente.
Torno -me mais sossegadamente
O que sou...
Sem palavra
Que possa me parar,
Só parei quando me perdi,
E disso também me perdi.
Educo minha vontade,
E o mais que eu puder...
Acordo flor,
Como se assim
Fosse meu destino.
Sem saber se morro ao pé,
Se enfeito uma sala,
Ou se sou de casamento.
Se sigo minha importância,
Ou minha responsabilidade...
Agasalho minha sombra,
Decifro-me,
E durmo,como quem
Não tem pecado.



Vania Lopez

domingo, 14 de março de 2010

“Não é necessário ser sábio para se escrever” - luciusantonius











Esvaio-me.
Liberto os excessos
De um dia de sol

Ouvia
Eu sabia que tinha que ouvir
Sabia, apenas porque sabia
Então, ouvi encantado
Apenas, porque pude ouvir
A voz trémula? Não!
Divinas pausas
Aplaudiam o silêncio
(o silêncio também tem os seus direitos)
Sentia, sentia, senti:
Nunca a humildade chegou tão bem vestida
Ouvia, ouvia, ouvi:
“Não é necessário ser sábio para se escrever”

Arrepiei-me.

Um sábio, sabiamente
Em sua casa
Humildemente
Entregou-me um foral
Para sempre escrever

Na sua festa
No seu dia
O Sábio deu-me tudo,
De tudo
O futuro calou-se
Eu vou escrever para sempre
Tenho um foral
De um Sábio

Caro Amigo, foi uma honra poder partilhar esse dia tão especial a seu lado.

sábado, 13 de março de 2010

…dóceis como ópio


não me negues o olhar
agora que já não te consigo ver
os sentidos perderam-se na boca do inferno
na língua de cadáveres esfomeados
penosamente, dóceis como ópio
não rasgues o céu que não te pertence
no brilho que refutas com inglórias
de tudo, que já não te é semelhante,
guarda o fato preto, abutre!
encharca-o de naftalina
quando eu morrer serei as cinzas da tua cegueira,
na garganta do meu silêncio guardarei
os nós do arame farpado dos teus gritos


Conceição Bernardino

terça-feira, 9 de março de 2010

Muro de silêncio

[foto de José António Antunes]

Rompe-se o muro do silêncio
arrancou-o assim o destino
a hipocrisia foi afastada,
envergonhada pela decência
as sombras tiradas desde a raiz.

O futuro instalou a distância no presente.

Os destroços enterrados
o passado os incendiou
na culpa que os nutriu.

A dúvida procura certezas
no escuro que se refugiou
demanda consciência sem nexo
infiltração impossível.

A certeza é lucidez
que a verdade tem guardada
nas mãos lavadas
sem mácula
nem reservas
a recordação não tem memória
só constrói o dia de amanhã
com os olhos abertos no firmamento.






quinta-feira, 4 de março de 2010

"UNA FURTIVA LAGRIMA"



Peguei na roupa de Domingo,

afivelei no rosto uma rosa vermelha

e parti, como quem já viveu.

No caminho, aliviado das estrelas,

guardei uma lágrima de reserva,

sem saber se tu aparecerias pronta

para me receber.

Foi assim que tudo aconteceu

eu acordei tendo a meu lado

o travesseiro húmido e não tinha chovido

naquele dia.


arlindo pato mota
foto e poema

*dedicado e ao estilo de Vania Lopez

terça-feira, 2 de março de 2010

Semente sou, semente serei

Campo de Trigo com Corvos VAN GOGH (1853-1890)

Há um inverno perpétuo
Não neva,
Não enregela,
Não sorri,
Apenas divide o dia da noite.

Os campos, trabalhados,
Erguem espigas ao céu
Vestem-se de algodão doce.
Mas os sonhos…, estão hirtos,
E as mãos cristalizaram.

Do alpendre,
Penduro a alma na figueira,
Está presa pelas memórias
Em árvore do diabo.

Nos lábios, uma flor.
Na torre, o sineiro
Balança a corda,
Lê um apelo do coveiro.

A flor voará no bico do corvo.
E é tudo que resta de mim.

A terra sorrirá,
Terá a minha escrita para revolver
E das suas entranhas, um dia, brotarão
Poesias em flor,
Brancas talvez.

Este texto apenas poderá ser entendido por aqueles que souberam escutar o que nunca disse.

José Luís Lopes

O amor

Permita-me dizer uma coisa:
Ninguém pode ficar imune
De pisar no barro; Nem ficar impune
Por morder a isca boa do pecado
E deixar de lado aquilo que redime
Tudo que ofusca esse claro lume.
Pois a vida é mais do que sublime
E guarda, intermitente, o cheiro do perfume
Que a tudo suaviza,
Mas que ao ficar de lado
(álcool destampado),
Ligeiramente, volatiliza.


Frederico Salvo

segunda-feira, 1 de março de 2010

ABRA E PERDÕE...


...Assim que tu sair não deixe nenhuma meia verdade, nem diga qual é teu segredo. Quando fico
com medo fecho os olhos .À força está no sangue e os olhos brilham. Te vejo por aí, numa lembrança distante ou, quando aparece alguma coisa interessante no céu. Nossas "enes" coisas eu divido. Tu ficas com suas melhores recordações e eu com as minhas. Não tente processar Deus! Isso deixa a gelatina sem sabor,
emagrece mais que os sonhos. Quando pensar em voce vou esquecer que voce morreu e vou estar pronta para me apaixonar, rápido ou devagar é voce quem manda... Vá logo! antes que eu pegue o gosto de não largar e antes que Nossa Senhora revoltada ande de um lado pra outro da sala e os sapatos pensem...



Vania Lopez